Do que é composta uma prática de Hatha Yoga?
- Ale Toledo
- 17 de abr. de 2020
- 5 min de leitura
Entendendo os elementos básicos de uma prática clássica de Hatha Yoga
Ao contrário do que muitos pensam, yoga não é uma prática para você alcançar um corpo mais flexível e forte, o objetivo principal da prática é alcançar a liberdade. Liberdade das nossas crenças, das nossas limitações, da visão pequena que temos em relação à vida, ou seja, liberdade da nossa ignorância que nos impede de ver a realidade de como ela de fato é. Um conceito básico dentro dessa tradição é o da unidade entre todas as coisas.
Dentro dessa tradição, o Hatha Yoga foi a linhagem que introduziu nas práticas espirituais uma visão mais ampla sobre o ser humano. O corpo, que era considerado empecilho para se alcançar a libertação, passa então a ser o instrumento pelo qual a liberdade será conquistada, partindo da premissa sustenta toda a tradição védica de que tudo é uma coisa só, manifestações da Consciência Divina e, desta forma, o corpo é tão divino quanto qualquer outra coisa nesse mundo.

Fica claro nos textos clássico do Hatha Yoga, como Hatha Yoga Pradipika e Geranda Samhita, que o praticante deve desenvolver um corpo que seja forte e apropriado para sustentar as práticas espirituais, um corpo que seja comparado a um diamante (Vajra). A prática começa então em um nível mais denso preparando o corpo do praticante e, conforme este avança no sadhana, ele torna-se apto para as práticas mais sutis e práticas meditativas.
Pensando nesse conjunto de técnicas a serem executadas pelos yogis, podemos dizer que uma prática clássica de Hatha-Yoga será composta de:
· Exposição do tema: momento onde o professor irá discorrer sobre um assunto filosófico que embase a prática a ser conduzida. Esse tema pode ser referente a um texto clássico como o Yoga Sutras ou o Bhagavad Gita, ou pode ser um assunto do cotidiano analisado à luz do yoga. Ou seja, aqui o professor da um sentido profundo para a prática.
· Manta inicial: o mantra inicial nos relembra o real sentido da prática, a busca por conhecimento e liberdade. Existem uma infinidade de mantras que irão tratar de diferentes assuntos ou farão referência aos deuses e deusas. Os mantras que são bastante utilizados para iniciar uma prática são dos Shanti Patah, mantras da paz, que são versos metrificados encontrados nas Upanishads, textos clássicos da tradição védica, como o mantra que você encontra no fim desse texto.
· Shatkarma: aqui começamos a prática mais densa. Os shatkarmas são exercícios de purificação e limpeza do corpo. Consistem em seis (shat) ações (karma) que são descritas na Geranda Samhita. Porém, apenas três delas são possíveis de serem praticadas em uma sala de yoga com vários alunos. São elas:
- Nauli: um exercício de massagem intestinal que se faz movendo-se a parede do abdome em movimento cíclicos, gerando assim uma massagem visceral que auxilia na melhora da digestão, no bom funcionamento do intestino e na boa assimilação de nutrientes, além de movimentar bastante energia no corpo.
- Trataka: exercício de purificação para os olhos que pode ser feito olhando-se para uma chama de uma vela de forma contínua até que os olhos lacrimejem ou através de um exercício de movimentação do globo ocular de formar circular e lenta.
- Kapalabhati: exercício de purificação das vias aéreas que se faz através de expiração vigorosas e ritmadas. Kapalabhati significa crânio brilhante, fazendo uma alusão a sensação que essa técnica gera de clareza mental.
· Asanas: essa é a parte da prática na qual o professor irá conduzir uma sequência de posturas de modo a atingir um resultado específico. Cada prática será pensada de uma maneira para movimentar a energia de uma determinada maneira e causar uma certa sensação nos praticantes. Por exemplo, a prática pode ser mais vigorosa para despertar energia, pode ser mais calma para induzir o relaxamento, uma prática de extensões da coluna para liberar conteúdos reprimidos, uma prática de permanência para treinar o foco e a mente meditativa. São infinitas as possibilidades e vai da habilidade do professor montar uma prática que seja equilibrada e acessível à todos os participantes.
· Yoga Nidra: o famoso Shavasana, ou relaxamento final na prática. Diferentemente do que muitos acreditam, esse não é um momento de soltar o corpo de forma displicente e relaxar profundamente para pegar no sono. Esse é um dos momentos mais importantes da prática, é a hora da entrega, o momento no qual todos os benefícios gerados pela prática são absorvidos pelo praticante. É o momento também em que podemos introduzir um sankalpa, um propósito de fechamento que será levado pelo praticante depois do fim da aula.
· Pranayama: a palavra pranayama é a junção das palavras prana (energia vital) e ayama (extensão). É o momento no qual será praticado um dos diversos tipos de técnicas de pranayama. Da mesma forma que a prática de asanas, o pranayama irá ser escolhido de acordo com a finalidade que o professor deseja para aquela aula. Dessa forma, para uma aulas matinal, na qual queremos trazer vigor para o dia, podemos fazer Bhastrika pranayama, a respiração do fole, ao passo que se estivermos em uma prática noturna, nos preparando para uma boa noite de sono, podemos fazer chandra bhedana pranayama, para ativer o aspecto lunar, mais introspectivo.
· Meditação: após todas essas etapas e a execução do pranayama, nossa mente está preparada para a prática meditativa que pode ser feita em silêncio contemplativo ou ser uma meditação guiada de acordo com o tema da aula. Em ambos os casos, esse é o momento para o praticante perceber os efeitos de toda a prática e comparar a forma como ele chegou para a aula e como e ele sai, quais foram as transformações.
· Mantra final: o mantra final marca o encerramento da prática, mais uma vez trazendo na mente dos praticantes a lembrança de que esse processo é um caminho de autoconhecimento e liberdade, por isso não deve ficar restrito apenas ao tapetinho. Aqui também os Shanti Patah são muito bem vindos.

Esses são os tópicos que fazem parte de uma sequência clássica de hatha-yoga. No entanto, você pode estar se perguntando como é possível fazer tudo isso em uma prática? Realmente, para que todos esses aspectos estejam juntos em uma única prática, esta deveria ter pelo menos 2 horas de duração, o que é incompatível com o que dispomos hoje em dia, uma prática de 1 hora em média (conheço professores que precisam dar aulas até mais curtas de 30 min ou 40 min). Nesse caso, o professor também precisa ser hábil para abordar todos esses temas ao longo de várias aulas, encaixando o que for possível em seu plano de aula.
Essa então é uma “receita geral” de uma prática de Hatha Yoga. Encerramos esse poste com um Shanti Patah
oṁ asato mā sadgamaya |
tamaso mā jyotirgamaya |
mṛtyormā amṛtaṁ gamaya |
oṁ śāntiḥ śāntiḥ śāntiḥ ||
hariḥ oṁ ||
Que a ignorância vá embora e que venha a verdade; que as trevas se dissipem e a luz brilhe; que se vá a morte e venha a imortalidade.
Que haja paz, paz, paz. Hariḥ Oṁ.
Harih Om
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